Campo Grande (MS) – Os alunos da Escola Estadual Dona Consuello Müller,
na Vila Jacy, aprendem Física de um jeito diferente:
eles utilizam os aparelhos celulares durante as aulas e também em outras ocasiões
para melhorar o aprendizado da disciplina.
Essa iniciativa simples, mas produtiva, está sendo utilizada na escola
há dois anos pelo professor Suintila Valiños Pedreira como um complemento ao livro didático.
Um dos objetivos é fazer um uso mais adequado dos celulares em sala de aula.
“Não existe maneira de afastar os adolescentes deles, e eles acabam atrapalhando
as aulas por fazerem uso constante desses aparelhos”, explica o professor.
Mas o verdadeiro motivo que incentivou a iniciativa foi salvar da reprovação
uma turma de alunos que estava indo mal de nota na disciplina, no ano passado.
“Conversando com eles, pude perceber que diversos alunos trabalhavam duro
ao longo do dia, e não tinham tempo para estudar. Alguns nem podiam levar
o material escolar para seus locais de trabalho, pois os patrões não deixavam.
A reclamação era grande, pois fatalmente eles iriam reprovar, devido às
notas estarem muito baixas”.

Esse problema sensibilizou o professor, que começou a pensar em encontrar
alguma forma de minimizar essa dificuldade. Ver no celular uma forma de
transmissão de ensinamentos de Física foi uma consequência natural.
“Algumas experiências foram feitas usando os celulares para envio
de torpedos SMS para os alunos. Mas logo desisti da ideia, devido ao
alto custo. Então, um dia, fazendo buscas pela Internet, achei um site
que prometia criar ‘quizzes’ e enviá-los aos celulares, na forma de
‘Appletts Java’, mesma linguagem utilizada pelos jogos para celular”.
O site, de uma universidade australiana, oferece o aplicativo Mobile Study,
que permite fazer vários ‘quizzes’. Os questionários são criados ainda no computador.
Depois, baixados para o celular. O arquivo, então, é enviado por bluetooth.
Quando o estudante responde todos os exercícios, o sistema mostra
quantas questões ele acertou. Os arquivos ficam armazenados no celular dos alunos,
que acessam quando podem e quantas vezes quiserem.
Foi feito um primeiro teste, e como o resultado foi positivo,
o professor começou a criar alguns quizzes e enviar para alguns alunos.
“Infelizmente, não é qualquer aparelho de celular que é compatível com
esse tipo de atividade, mas creio que mais de 40% dos meus alunos puderam
experimentá-lo, e gostaram muito dessa experiência. Felizmente, os resultados
foram muitos bons, e pude salvar muitos alunos da reprovação certa na minha
disciplina no ano passado”, afirma o professor Suintila.
A aula de ontem (16), no segundo ano, foi sobre Primeira Lei da Termodinâmica.
O professor tem no seu aparelho celular o número dos celulares dos alunos.
Por esse contato, ele envia os exercícios e o resumo do conteúdo da matéria para cada aluno,
e assim eles têm oportunidade de desenvolver as questões tanto em sala de aula como fora
dela, em qualquer lugar. E os alunos que não possuem celular ou não têm bluetooth podem
ter acesso aos exercícios pela internet, no blog do professor (www.seraoextra.blogspot.com).
Essa foi a terceira atividade do ano com o celular na turma.
O professor só aplica os ‘quizzes’ com essa ferramenta nas salas dos segundos e terceiros anos
do noturno, pois esse recurso a mais funciona melhor nessas turmas, que são compostas
na maioria por alunos que trabalham. E os exercícios da aula de ontem foram uma
preparação para a prova da disciplina, que vai ser realizada na semana que vem.
João Vitor dos Reis Bego disse que melhorou seu desempenho na matéria
depois que essa ferramenta passou a ser usada. “O professor é atencioso e explica bem,
mas com o celular facilita mais ainda, porque eu posso usar em qualquer lugar.
Eu trabalho o dia inteiro em um lava-jato e às vezes estudo no trabalho
porque nem sempre tem movimento. Eu não tenho muito tempo para estudar,
mas do jeito que o professor explica, fica fácil. É bom para ele e para os alunos,
pois ele tem mais tempo para auxiliar a gente.”
Diego Lara não gosta de Física, mas depois que passou a usar o celular
como ferramenta auxiliar para acompanhar a disciplina disse que ficou “mais rápido,
mais prático e mais interessante estudar”. Para Loester Souza Dias, a melhoria ficou
por conta da economia de tempo. “Em vez de copiar a matéria, já está tudo no celular.
A gente não perde mais tempo copiando”, diz.
As alunas Karine Allem e Anni Medeiros também trabalham o dia inteiro.
Karine, como recepcionista na prefeitura, e Anni, numa loja de uma operadora de celular.
As duas dizem que o celular facilita para quem trabalha, pois permite estudar fora da sala
de aula. “Não precisamos carregar livro, entendemos fácil a matéria”. Karine disse ainda
que uma vez,levou o livro para estudar no trabalho. “Minha chefe perguntou porque eu
tinha levado o livro. Agora, com o celular, ficou mais fácil”.
Nildo e Olivan não possuem bluetooth, então não têm como acompanhar o quizz
em sala de aula. Mas eles prestam atenção às explicações do professor e realizam os
exercícios depois, acessando o blog. Assim eles estudam para as provas e podem
acompanhar todos os exercícios.
Devido ao sucesso da atividade, o professor começou a divulgar a experiência
para outros colegas, mas, segundo ele, a maioria absoluta dos professores acham que
o celular é um dos maiores inimigos das aulas, e afastaram qualquer possibilidade de
fazer uso dessa ferramenta. “Mas eu não desisti. Acredito que existe espaço para os
celulares em sala de aula, e comecei a divulgar essa experiência para muitos colegas
nos vários fóruns na Internet de que faço parte”.
O professor explica que existe uma implicação legal no uso de celulares em sala de aula,
pois existem leis proibindo o uso deles [lei estadual 2.807, de 18 de fevereiro de 2004].
“Isso afastou os poucos professores que acharam essa atividade útil. Mas estou
buscando contornar esse problema apresentando à Secretaria de Educação um projeto
piloto, me autorizando a utilizá-lo, a título de experiência pedagógica”, completa.
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